Ao escolher o título deste artigo, que poderia ser a palavra "paz" seguida de um simples ponto, preferi colocá-la na forma de interrogação, com o deliberado propósito de fazer uma provocação ao pressuposto de que pedindo ou desejando paz estamos entendendo e sendo entendidos naquilo que dizemos.
Todos queremos e desejamos ardentemente a paz, mas não paramos para pensar o que seria realmente a paz almejada. Paz pode ser o antônimo de guerra; pode ser uma vida sem atribulações; pode ser uma sociedade sem tensões. Mas todas essas hipóteses, além de tantas outras que possam ser acrescidas, não são da natureza intrínseca do ser humano.
Um mundo onde se pudesse viver sem qualquer tensão, como se imagina viveram Adão e Eva no Paraíso, seria estático. Estaríamos, ainda hoje, sem conhecer a roda ou o fogo, pois tudo seria perfeito e harmônico.
Foi (metaforicamente) a expulsão do Paraíso que fez a humanidade ser o que é. A causa bíblica da expulsão foi exatamente o fato de o homem tomar consciência de que é humano, frágil, finito e que seu bem- estar depende do suor de seu rosto (ou daqueles que domina). Naquele momento em que o Arcanjo Miguel fechou a porta do Éden, deixando o humano fora dele, foi instalada a tensão, representada pela necessidade de sobreviver e se sobrepor de alguma forma sobre os outros.
A paz nunca foi marca característica do humano, ela surge da necessidade do poder político em garantir estabilidade social. Nos regimes autoritários, geralmente há paz, todos estão submetidos rigorosamente à lei.
Assim foi a pax romana, Roma Imperial impunha aos territórios conquistados a sua pax, obrigando aos povos conquistados, chamados pacatos, a se submeterem à sua legislação. A abundância dos romanos vinha às custas dos territórios submetidos a pax.
A célebre frase "Si vis pacen para bellum" - se quiseres a paz, prepara-te para a guerra -, revela que a paz não é algo que nasce espontaneamente, mas é fruto de uma posição de poder.
A partir deste enfoque é questionável o que manifestantes querem, quando em marcha de protesto pedem paz.
Seria possível fazer uma ligação entre o desejo de paz e a crescente adesão de parte substancial da sociedade externando querer a volta de um governo de força (para não usar ditatorial)?
Pode parecer paradoxal, mas não é.
Muitos preferem ser pacatos, submetidos a ordens superiores do que arcar com responsabilidades.
Democracia pressupõe tensão, forças que fazem acelerar, modificar a direção dos movimentos da sociedade.